Com apurado faro de voto, o vereador é um delivery de serviços públicos, tirados de todos para alguns, desde a República Velha e sem medo do século XXI
lO candidato deve ser e parecer conhecedor, em detalhes, de problemas que afligem e aspirações que movem os votantes. A confiança é liberada conforme a sintonia, cada vez mais segmentada. Generalizar é pedir pra sair. Pense sobre como você cuida das demandas, se generaliza ou particulariza. A base eleitoral é múltipla, mas é formada por indivíduos. Cada eleitor sempre se coloca no topo da prioridade e desenvolve uma didática personalista, que remete à formação do modelo político brasileiro. O vereador está no olho do furacão.
Na queda do Império, na República Velha e na transição da produção agrária para a industrial, a consolidação federativa viveu sobressaltos no Brasil. A política de coronéis contava com uma ‘base eleitoral’ na comunidade provinciana. Assim a política se manteve, por muito tempo, até a transformação getulista. O emprego fabril e comercial mudou o olhar do novo eleitor, que virou operário, em parte engrossou uma classe média e agora soma cacoetes de empreendedor. Mas uma coisa não mudou: a busca ou aceitação de privilégio.
As bases eleitorais estipulam ao voto valores sociais do universo metropolitano. Entretanto, o processo de urbanização ocorre em camadas. Os contingentes de eleitores ganham ruas asfaltadas, mas falta iluminação, nova motivação de promessa eleitoral e voto. Bairros pavimentados e iluminados sofrem com a falta d’água, e alguns candidatos ganham voto com carro pipa. Com asfalto, luz no poste e água, o eleitor troca seu voto por um documento, que caberia a ele próprio buscar na repartição. Falta alguma coisa? Sobra disposição ao vereador.
Na maioria dos casos, as soluções são meros paliativos. Mesmo nas obrigações básicas de estado, como Educação
e Saúde, a ação subterrânea do vereador se ocupa da despachadoria entre cidadão e poder público. Mudanças ocorrem, mas demoram. Exemplo? O Fundeb arrefeceu o intermédio de bolsas de estudo em rede particular conveniada, como também a reserva de vagas na escola pública. Há vagas e uma dinâmica de escolarização.
No sistema precário de atenção básica de saúde, o candidato ou vereador de mandato ainda explora de forma industrial as dificuldades do eleitor, em relação a vagas, prazos para realizar exames e oferta de remédios nas farmácias das unidades. O político da base ‘resolve’, porque falta tudo; e vice-versa.
O valor social mais comum entre vereadores e parte de seus eleitores é o imediatismo, motor do clientelismo
e combustível de uma cumplicidade que solapa a cidadania. Este relacionamento promíscuo na política repercute
em diversos aspectos das necessidades urbanas, e a segurança é o principal. As áreas densamente povoadas, e não apenas as favelas, são repúblicas independentes. A ação pública desaba para uma compreensão de providência pessoal, do vereador, do miliciano ou do traficante de drogas.
Entre o eleitor e o político situado na base da pirâmide de poder há uma subversão de valores, que define a relação pragmática de causa e efeito, sempre em caráter provisório. As legendas partidárias se submetem e legalizam a política de acomodação, ao legitimar candidaturas que nascem e crescem na contradição da política.
Amedrontado por candidato que lidera bando armado ou favorecido por outro, que acelera trâmites para uma cirurgia, eleitor e político da base sempre aparecem em relação incestuosa, que gruda o Brasil no século passado e alimenta o enredo do ‘jeitinho’. Engrenagem bem simples, o ‘jeitinho’ sempre canaliza recursos de todos para apenas alguns. Individualiza soluções, com verbas surrupiadas do coletivo.
Redutos eleitorais são uma relíquia do cenário político brasileiro. O vereador prossegue como espécie animal imune à radiação ideológica. A polarização política que compromete relacionamentos, até entre familiares, com ataques à esquerda e à direita, ainda preserva o lodaçal onde o tráfico de influência dá assistência a quem não tem mais a quem recorrer. Caminharemos para mais uma eleição municipal, na qual os eleitos pelo voto de opinião, associados a causas da sociedade, serão de novo minoria.